sexta-feira, 19 de abril de 2019

O mar que não mergulhei


Bastaram poucas horas, e eu estava encantada.
Os mesmos requisitos de sempre: voz, conversa, os assuntos, o mistério,
E sempre algum ingrediente que não sabemos nomear, definir...
Sua voz, sua doçura, seu sotaque, sua forma de falar – que sempre me fazia sorrir  –, logo me embalaram. E sem perceber eu estava num balanço, daqueles que só se sentem em um delicioso passeio de barco ao mar.
Era isso!
Você era o mar,
e eu que há tanto não o via, me deixei levar pela brisa e pelo cheiro inebriante da maresia.
Passavam-se horas no dia, e em todas elas, nós estávamos ali conversando.
20, 30 min sem falar? Já era saudade...
E essa imensa sedução de mar, em alguém apaixonada por oceano (e há tanto tempo sem mergulhar), me convidou.
Mais que isso, me intimou.
Porque naquele momento eu já não tinha mais escolha.
Meu corpo suplicava pelo mergulho, minha pele estava seca e sedenta.
Os assuntos aumentando, as conversas esquentando, e o desejo explodindo.
Pronto! Fui ao seu encontro! Foi como chegar na beira da praia!
Eu, como criança inquieta, só queria mergulhar . Mas não podia.
Tive que ficar no calçadão observando...Tudo aquilo que eu queria sentir, e não me era permitido. Não era a hora...
Seu olhar, as areias úmidas que meus pés queriam sentir.
Sua voz, o som das ondas batendo, que me davam imensa vontade de me entregar.
Mas eu não podia. Apenas via, e ouvia tudo de longe...
Meu ritmo atencioso e inquieto de te observar – palavras ditas, não ditas. Olhares encontrados e desencontrados – pareciam te deixar desconfortável.
E eu, não aguentava mais!
Minha vontade e pressa de sentir, por inteiro, aquela praia, me desconcertaram.
Deixei de dominar minha vontade. Só a ansiedade falava por mim.
                - E na maioria das vezes, ela não é boa porta voz.
Tentei chegar meu pé perto da areia, e consegui senti-la por alguns segundos... Só aumentou minha vontade de mergulhar!
Não aguentei e gritei! Meu peito explodiu:
                - Quero conhecer tua praia! Mergulhar nas águas do teu mar! Preciso fazer isso agora! Não consigo mais esperar...
Meus olhos flamejavam, minha voz tinha mudado de tom, meu corpo exigia!
Te assustei!
Pude ouvir o som das ondas ficando revoltas, mas eu não sabia mais recuar.
Meu pedido virou súplica, e o seu "não" transformou minha necessidade em frustração.
Não ouvia mais nada com clareza. Sabia que não ia sentir o mar, a areia, nada...
Continuei caminhando ali no calçadão, mas já sem esperança de me deleitar naquela praia.
Foi então que precisei partir, começar a caminhar para longe dali, tirar a praia da minha vista, seguir.
Como último ato de sentir a praia, coloquei minhas mãos na areia. Muito pouco dela ficou em mim, mas aquela sensação eu ainda pude sentir por algumas horas.
A forma que cheguei em casa não podia ter sido outra: seca, sem areia, sem o som das ondas, sem nem mesmo aquela sensação que a maresia deixa na pele...
Meu encontro com você ficou lembrado como o dia que cheguei na praia com tanta vontade de senti-la, e voltei sem alcançá-la.
Olhar o mar só de longe é muito difícil quando se quer nadar.
E no teu oceano, eu sei, eu perdi a chance de mergulhar.